Eurovisão: quando a diferença subiu ao palco e nunca mais saiu

Hoje, 28 de Junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTIQ+. Erguem‑se bandeiras, vozes e, inevitavelmente, o volume da televisão. E se existe um programa que tem marchado de braço dado com a comunidade há décadas, cheio de purpurina e descaramento, é a Eurovisão.
A televisão está repleta de formatos criados para agradar às massas. A Eurovisão nasceu para remendar uma Europa pós‑guerra e acabou por unir milhões de espectadores queer num culto pop tão exuberante que faz a final da Taça de Portugal parecer um chá das cinco.
Como é que se chega daqui até aqui?
Tudo começou com história (e penas). Em 1961, o crooner Jean‑Claude Pascal sussurrou um amor proibido quando amar outro homem era ilegal em quase todo o continente. A balada «Nous les amoureux» não disse nomes – não podia – mas venceu em glorioso preto‑e‑branco e ofereceu ao concurso a primeira piscadela clandestina.
1997 – Látex islandês com atitude
Páll Óskar atira-se ao palco deitado num cadeirão branco como quem faz casting para um 007 passado em Reiquiavique. Mandíbulas caem, fãs queer tomam notas: aqui pode‑se ser exactamente quem se é.
1998 – Dana International e a reviravolta platinada
Vinda de Israel, Dana International desfila em Gaultier e arrebata o troféu com «Diva«. Mulher, trans e deliciosamente desbocada, ergue o microfone de cristal enquanto certos directores de antena procuram sais aromáticos. A Eurovisão acabava de se declarar queer‑friendly em directo.
2007 – Duplo abalo balcânico
Marija Šerifović vence para a Sérvia e, depois, sai do armário; Verka Serduchka, de lata e estrela na cabeça, faz da passadeira rolante uma rave eslavo‑espacial.
2013 – Beijo, Helsínquia
A finlandesa Krista Siegfrids termina a actuação com um beijo lésbico, a pedir casamento igualitário. Moscovo engasga‑se; a Europa bate palmas ao ritmo.
2014 – Conchita Wurst em modo fénix
Com «Rise Like a Phoenix«, a austríaca barbuda abrasa preconceitos e atinge um dó bem sustentado. Política, cultura e gala de ópera, tudo em três minutos.
2024 – Nemo rebenta «The Code»
Primeiro vencedor não‑binário: rap, ópera e drum & bass num único pacote suíço que lembra ao continente que as etiquetas existem para ser rasgadas.
Por que é que a comunidade LGBTIQ+ não larga a Eurovisão?
- Camp com financiamento continental – ventoinhas industriais, key changes suicidas e fatos que desafiam as leis da física (e da decência, às vezes).
- Histórias de superação – de amores clandestinos a hinos não‑binários, cada final é um «It Gets Better» em directo.
- Zona franca global – Euroclubs, festas de visionamento e fóruns onde sair do armário quase faz parte do dress code.
- Diplomacia arco‑íris – cada bandeira no ecrã é um aceno cortês a governos ainda presos ao monocromático.
- Negócio redondo – a UER percebeu cedo que o público queer não só vota: colecciona vinis, reserva voos e transforma um concurso em indústria pesada.
Moral da história (em tom maior)
A Eurovisão não mudou de pele para seduzir a comunidade – foi a comunidade que a adoptou, a encheu de lantejoulas e a coroou como santuário anual. Quando o próximo artista erguer o microfone de cristal, herdará mais do que um troféu: décadas de resistência pop, amores que já não cabem entre linhas e um fandom pronto a cantar – e viver – cada vez mais alto.